Síndrome de Stallman

O Stallman não é fácil. Ele é duro, reto, honesto, rude, impaciente e consegue estar certo quase sempre. Se você já assistiu algum episódio da série americana The Big Bang Theory e já esteve com o Stallman, fará o link inevitável entre Sheldon Cooper e Richard Stallman. Os dois são geniais, querem mudar o mundo e são quase ineptos sociais. A diferença real entre eles é que Stallman existe e vem revolucionando o mundo a mais de 30 anos, enquanto o outro é apenas um palhaço megalomaníaco.

Mas não se pode julgar um livro pela capa, certo? Ao menos assim deveria ser. Me parece absurdo ter que dizer isso, mas é fato que boa parte da militância do Movimento Software Livre se deixou levar pelas propaganda anti Stallman e vem reagindo ao conceito filosófico do Software Livre baseando-se no seu comportamento (anti) social. Em um mundo cada vez mais fútil e frívolo a imagem pesa muito. Cabelo cortado, um sorriso no rosto, uma pitada de maldade e boom! O que quer que o candidato a galã das seis, tenha a dizer, deve ser ouvido. Mesmo que não seja algo bom. Vide a forma como a mídia age de maneira condescendente com o Lunis Torvalds, mesmo sendo ele mesmo uma pessoa reconhecidamente rude.

A aversão à pessoa do Stallman é algo tão marcante que um colega do movimento, depois de uma longa conversa, em tom de brincadeira disse sofrer da \”Síndrome de Stallman\”. Então vamos tentar explicar isso e ver se, você, por acaso, sofre do mesmo mal?

Primeiro vamos conceituar: \”Trata-se de uma reação visceral, subconsciente, instintiva de rechaço às conceituações filosóficas do Software Livre definidas pela Free Software Foundation, graças ao comportamento anti social, rude e indelicado do criador do Movimento, do projeto GNU e da sua Fundação. Sua principal característica é justificar o Software Livre usando conceituações da Open Source Initiative.\”

Sintomas:

  • Repúdio visceral ao nome Stallman;
  • Incontida associação dos nomes GNU, FSF, Stallman ou GPL ao xiitismo como sinônimo de radicalismo inconsequente;
  • Convicção que Software Livre deve dar dinheiro de alguma forma, pois não há almoço grátis;
  • Sentir, que entender e praticar os preceitos filosóficos do Software Livre tem conotação religiosa;
  • Certeza de que liberdade é sim \”liberdade de escolha\”, inclusive a de usar Software Privativo;
  • Descrença por essa ideia de mudar o mundo, afinal de contas o mundo é capitalista e nada vai mudá-lo;
  • Calafrios sempre que alguém cita que Open Source e Software Livre são coisas diferentes;
  • Convicção que esse lance de GNU e Software Livre é coisa de comunista;
  • Discordar com veemência que Software Livre é um movimento social e político.

Se você sente três ou mais desses sintomas simultaneamente, então você sofre da Síndrome de Stallman. Provavelmente você é um militante, ativista ou simpatizante fervoroso do código aberto, que não aceita os supostos extremismos do Stallman. Durante seu tempo de uso do Software Livre, lentamente, sua percepção sobre a seriedade e comprometimento dos princípios do copyleft e suas implicações filosóficas foram se suavizando. Lentamente os apelos da simplicidade de uso das ferramentas privativas on-line, somados à simplicidade de instalação de \”Linux\” com partes privativas em qualquer notebook, somado ao seu fantástico smartphone, foram minando sua capacidade critica de combater o uso cotidiano de Software Privativo. Assim o discurso do Stallman e seu séquito, foi se tornando cada vez mais agressivo, surreal, inverossímil, apelativo e pouco pragmático. O que um dia era um sonho, uma utopia que te convenceu a usar Software Livre, foi convertido em certeza pragmática de que apenas o acesso ao código é o que importa.

E assim, você se convenceu de que continua sendo um defensor, ativista, fã de Software Livre e que foi o Stallman, a FSF e seus seguidores os que não evoluíram. Ficaram estacionados no tempo e na ingenuidade de fazer do mundo um lugar melhor. Ele são agora, mais que nunca, um bando de radicais intransigentes.

A Síndrome de Stallman é um acometimento que vai se tornando mais grave com o passar do tempo, culminando com o auto convencimento de que não foi você quem se transformou em outra pessoa, mas que o próprio Software Livre deveria ser aquilo que você quer que ele seja, deixando de ser o que sempre foi. Você deseja, do fundo da alma, que o Software Livre se adéque ao mercado, ao cotidiano, que seja mais maleável, compreensível e que não cause tanta controvérsia. A incapacidade de perceber que essas características nunca foram do Software Livre e sim do OSI é o ápice da síndrome.

Tem cura?

Como a maior parte das síndromes a cura é muito difícil, podendo até ser incurável. Mas as etapas são relativamente simples:

  1. Assuma-se. Olhe para dentro de si e certifique-se de que realmente deseja lutar por um mundo melhor;
  2. Separe a pessoa Stallman, do conteúdo de suas ideias. Não é porque ele é impaciente ou grosseiro que o que ele diz está errado;
  3. Entenda de uma vez por todas que não há concessões plausíveis para o Software Livre. Quem cede, coaduna e se mistura com Software Privativo é OSI;
  4. Tenha bem claro que Software Livre e Código Aberto são coisas bem diferentes. Misturá-las apenas reforça a síndrome em você e nos demais;
  5. Reconhecer que foi você quem mudou é fundamental;
  6. E finalmente, ter que decidir se vai voltar a defender o Software Livre, como ele sempre foi ou se vai assumir sua mudança, e passar a defender outro conceito, como o OSI, por exemplo.

Vencidas as etapas do tratamento, a sua vida será mais prazerosa e honesta, especialmente porque qualquer que seja o seu caminho, ele estará claro para você os demais ao seu redor. Assim o que o Stallman diz voltará a fazer sentido ou não terá a mínima importância.

Saudações Livres!

 

9 comentários em “Síndrome de Stallman”

  1. Thiago Mendonça

    Sobre não haver “almoço grátis” que alguns tantos dizem não existir, deixo aqui a dica de documentário, Craiglist Joe, um bacana que decidiu viver por um mês somente de anúncios na craiglist americana (uma espécie de mercado das pulgas ou feira dos pássaros ou simplesmente um local onde tudo é negociado).
    Embora ele utilize ferramentas proprietárias para usar a craiglist (um iphone e um macbook), isso não invalida o fato dele ter vivido um mês inteiro somente da boa vontade de pessoas das comunidades locais do craiglist em vários estados americanos… #fikdik

    Sobre a síndrome de stallman, recomendo dois remédios muito bons, o primeiro se chama “símancoll 22mg, tomar duas vezes ao dia pra poder se olhar no espelho e se auto avaliar, podendo assim ponderar se o que ele fala e faz são condizentes com o que acredita… o outro eu costumo chamar de “nabundinha 69mg” vende somente via supositório, trás como “benefícios” uma aceitação completa de que você vive uma mentira e faz você sair do armário vestindo uma camisa com estampas de janelas, usando um tal de zune pra zonear as casas e em casos mais severos dos efeitos do medicamento, faz a pessoa só comprar maçãs mordidas e colocar em pedestais… efeitos colaterais incluem falar frouxo e andar rebolando… não que isso seja um problema, mas é bom avisar…

    Agora, se o povo acha que as liberdades fundamentais do Stallman, o modo de vida dele, e a causa que ele representa em sua forma mais pura não são válidos, é simples, basta não levantar a bandeira…

    See ya…

    1. 1 – O “almoço” do tal bacana que vc cita, só foi possivel porque alguém pagou, mas por alguma razão, preferiu doar. Tudo tem seu preço e esse preço sempre será pago por alguém.

      2 – Eu acho o Stallman um inconveniente necessário, se não fosse ele até mesmo o open source perderia muita coisa do seu valor. Mas ele não é o dono da verdade. Muitas da riqueza dos Software Livre, veio do Open Source e vice-versa. Então ele, Anahuac e comunidade xiita deveriam baixar um pouco a bola e perceber que não são e não devem ser os únicos no mundo.

      Saudações abertas!

  2. Parabéns pelo post Anahuac, fiz questão de reproduzir em meu blog também, infelizmente existem trolls imbecis que se travestem de ativista do Software Livre e não reconhecem a vida que RMS dedica por nós.
    Quem não respeita o Stallman não deveria nem dizer que faz parte de Movimento Software Livre, isso não significa que eu precise agir como o RMS e fazer tudo que ele faz, porém, o mínimo que o RMS merece é o nosso respeito por dedicar sua vida ao Software Livre tentando salvar até mesmo aqueles que o repudiam. Para muitos(inclusive eu), diversos fatores impedem de seguir a risca as palavras do nosso Stallman, porém é preciso buscar ser o mais coerente possível com o movimento, sempre.
    Anahuac é hoje uma das pessoas mais coerentes dentro do Movimento Software Livre no Brasil que conheço, pessoas como ele que ficam na linha de frente é que fazem com que o movimento não acabe.
    Parabéns pelo texto Anahuac e viva o software livre, VIVA STALLMAN.

    Saudações Livres,

    Alessandro Moura

    1. Gustavo Correia

      Anahuac coerente? Vou dizer o que ele é: ele é uma pessoa que não ouve o que as outras pessoas tem a dizer se elas discordam dele, me lembro da fuga dele naquele painel sf x osi na campus party, ele não deixava eu falar meus argumentos e me interrompia. Pois agora vou dizer ele, para que este Anahuac aprender algo sobre economia: um empresário recebe mais do que um peão por um motivo: Um erro de um funcionário da apenas um pequeno prejuízo, mas um erro do empresário pode causar MILHÕES DE DEMISSÕES, TRABALHADORES COM FAMÍLIAS PARA SUSTENTAR. E outra: uma empresa será antiética se as pessoas que o gerenciam são antiética, pq uma empresa é formado por pessoas, que são boas e más. Mas o Anahuac acha que um pintor deveria ganhar um mesmo valor de um médico, mas é a vida. P. S.: os empresários recebem um salário, logo é um custo, os lucros de uma empresa vão para dois lugares: retorna aos investidores e aplicado na melhoria dos produtos

  3. Interessante o texto e a discussão decorrente!! Vou reportar algo que aconteceu comigo sexta(06/03). Estava em uma reunião de trabalho em um órgão público federal e que em dado momento um dos lideres dos trabalhos expôs que a instituição na qual ele trabalhava criou um grupo para estudar o impacto que futuros formatos de arquivos e tecnologias poderiam ter a longo prazo para a base de arquivos digitais (documentos em geral de diferentes formatos) da instituição e evitar sua obsolescência (não poderem ser mais abertos). Eu levantei a mão e expus alguns pontos que achei relevantes para o que ele estava dizendo. No caso, um desses pontos era que, “na minha opinião”, o governo federal é do tipo “só venho nós e vós reino nada”. Ou seja, o governo só quer saber de usar soluções livres mas não quer saber de jeito nem um em contribuir de alguma forma com a comunidade daquelas soluções livres que usa. Pode até haver uma exceção ou outra, mas no geral é isso. Se tiverem exemplos contrários, por favor me indicam!! Isso posto, eu disso que uma forma de se evitar ou minimizar um problema dessa natureza era o governo ajudar aquelas soluções que permitissem converter ou abrir de qualquer formato (relevante para a administração). Disso, teve um rápido debate a esse respeito cujos detalhes acho prudente não colocar aqui, mas, disso todo, o que me chamou a atenção foi que ele veio até mim (é essa a minha percepção) ver a meu notebook (um Macbook Pro de 2010 com o OS X Yosemite) e então perguntou:

    – Você gosta do software livre?
    – Sim! Eu respondi!
    E ai ele me perguntou novamente:
    – Então porque está usando um software proprietário?

    Eu fiquei surpreso com a natureza da pergunto! Vou chover no molhado, mas o OS X tem muitos componentes de software livre bem como de código aberto além, é claro, de partes proprietárias. O fato de eu usar soluções da Apple mesmo com essas caractéristicas me desautoriza a fazer as colocações que fiz a respeito da utilização do software livre na esfera federal???
    Jogo a questão aqui para uma discussão aberta a esse respeito!!

    1. Essa atitude de criticar o uso de sistemas operacionais não livres (mesmo que possuam software livre instalado) pode ou não estar correta.

      Tudo depende de dois casos:

      1. Se existe referência comprovando que esta prática deve ser padrão para os seguidores da filosofia;

      2. Se o documento Optionally free is not enough (https://www.gnu.org/distros/optionally-free-not-enough.html) pode ser usado para outros casos além dos sistemas operacionais. Resolvendo automaticamente o caso anterior.

      Apesar de estar estudando o movimento e a filosofia desde 2011, ainda não encontrei algo para satisfazer o primeiro caso.

      Mesmo assim, devo dizer que sou uma dessas pessoas que critica o uso de sistemas operacionais não livres, e posso até mesmo tentar explicar o motivo pelo qual teu colega de trabalho disse aquilo, explicando assim a atitude de tantos outros ativistas do software livre:

      Se adaptarmos o documento Optionally free is not enough, para um uso mais geral, e se considerarmos a importância que as liberdades essenciais dos usuários deveriam ter para estes (até porque são essenciais), podemos considerar que os ativistas do software livre devem usar, instalar, e ensinar a usar primeiramente um software [livre] de abrangência geral no computador do usuário (ou seja, o sistema operacional), e somente nos casos de fracasso ou impossibilidade, usar, instalar, e ensinar a usar um software [livre] de uso mais específico (como usar o LibreOffice no Mac OS, por exemplo).

      Posso citar por exemplo, o motivo pelo qual ainda não instalei o Replicant (http://www.replicant.us/) em meu celular: Além de ele ainda estar na garantia, meus pais e minha condição financeira me obrigam a deixá-lo do jeito que está. Partindo desse exemplo, o nível de “impossibilidade” é ainda muito subjetivo e deixado a interpretação de cada pessoa. Alguns ativistas simplesmente tentariam instalar o Replicant nas mesmas condições que minha pessoa, outros se acanhariam.

      Continuando meu exemplo: Apesar de estar “impossibilitado” de instalar o Replicant, optei por desinstalar o Google Play/Android Market, e usar o único substituto livre presente atualmente, F-Droid (https://f-droid.org/), que fornece apenas software livre, apesar de nem todos estarem disponíveis para todos os celulares do tipo smartphone (felizmente o F-Droid deixa em evidência quais funcionam no celular atual ou não). Os únicos aplicativos que ainda não substitui foram o de chamadas, mensagens, anotações, calendário, tarefas, e câmera, mas estou procurando.

      Pessoalmente, se eu pudesse, compraria um pager de recebimento de mensagens (outros que enviam e recebem precisam de planos similares aos de celular), mas torna-se necessário saber se as demais pessoas podem enviar mensagens de texto via celular para um pager desse tipo, e se ainda existem postos ou locais que enviam mensagens de texto para celulares e outros pagers (se for necessário, claro). Ou ainda, usaria apenas telefones fixos e públicos (isso sim é possível, se o telefone público estiver inteiro, claro).

      Respeitosamente, Adonay.
      Tenham um bom dia.

  4. Pingback: Síndrome de Stallman | Blog do Dario

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