Menos Linux e mais GNU

Em tempos de marcas globais, o pinguim do Linux passou a ser sinônimo de opção de sistema operacional. Em quase todas as embalagens, lojas on-line e até sites de download de programas, lá aparece o Tux para referenciar \”o Linux\”. Mas não passa disso. Você sabia que o nome do pinguim do Linux é Tux? Mas há outras marcas famosas com nomes menos conhecidos: o robô do Android se chama Bugdroid! Os dois são logotipos muito bonitinhos, simpáticos e tem um forte apelo de mercado. E por isso mesmo, nem um, nem outro, representam o Software Livre.

O Linux é um projeto de software licenciado pela GPL V2. Há, literalmente, milhares ou milhões de outros softwares licenciados sob licenças livres, dos quais alguns muito famosos como o Firefox, LibreOffice e Gnome. Mas nenhum deles representa o Software Livre, são excelentes exemplos do sucesso da forma libertária de produção de conhecimento colaborativo, da eficácia dos meios de produção meritocrática e da qualidade alcançada pelo compartilhamento do código, mas nada disso representa a liberdade embutida no Software Livre. Quem faz isso é o GNU.

O mercado adora símbolos desprovidos de mensagens politicamente corretas. Pense rápido! Nenhuma marca \”main stream\” remete a responsabilidade social, dedicação descompromissada, humanismo ou qualquer forma de mudança do \”status quo\”. O foco é sempre comercial, ou seja, estímulo do consumismo. O projeto GNU é a materialização ideológica da liberdade tecnológica como ferramenta de transformação social. O Tux e o Bugdroid se transformaram em símbolos de consumo e não da liberdade que os fizeram existir e que deveriam perpetuar.

Então se você se identifica com a liberdade do Software Livre e está fazendo qualquer ação ativista, repense o uso do pinguim. O próprio Linus, gênio, diz \”que ele não está nem ai para a ideologia\”, o que o move é a diversão de fazer código de qualidade. Que bom! Obrigado Linus pelo excelente trabalho, mas quando o foco da vida é apenas a diversão, será virtualmente inevitável ser manipulado. Porque passar a vida se divertindo tem um preço. No caso do Kernel Linux foi a inserção de milhares de programas proprietários que já o tornaram um projeto não tão livre assim. E isso parece ter passado desapercebido da maioria dos usuários e até de muitos ativistas do Movimento Software Livre. É que se o compromisso é apenas com a diversão, qualquer ameaça a ela, será descartada. Mesmo que seja a liberdade. Esse processo é conhecido pela psicologia moderna como Síndrome de Peter Pan[1]: o medo de enfrentar a responsabilidade pelos seus atos.

A marca Linux e seu mascote, o pinguim, foram adotados por todas as grandes empresas de tecnologia do mundo. Como é de se esperar, o compromisso dessas empresas é com o lucro de seus acionistas e não com sua liberdade tecnológica, e o que dizer então da mudança social que o Software Livre promove? Na verdade essas corporações usam Software Livre para manter e expandir velhos modelos de dominação de mercado, de controle tecnológico, empoderamento político e militar. velhas como Microsoft e IBM até ganharam uma sobrevida se apropriando de tecnologias livres e seus meios de produção, e novas gigantes estão completamente embasadas nos modelos de produção colaborativa, mas não para mudar o Mundo, mas para controlá-lo, agora de forma mais eficiente, maximizando sua presença no mercado e, portanto seus lucros. E a marca Linux e seu mascote, o pinguim, ajudam nesse processo.

Num primeiro momento até parece que há uma apropriação indevida dessas mega empresas nefastas e que o pequeno projeto do Kernel Linux nada poderia fazer. Mas não é bem assim. Quando a apropriação de tecnologias livres começou a ser utilizada para prestar serviços on-line, a FSF – Free Software Foundation percebeu as malévolas implicações, e atualizou a GPL para a sua versão 3, onde se previa a perpetuação da liberdade do código em situações desse tipo. Adivinha? É… o Linus disse que jamais atualizaria a licença do Kernel Linux para a V3 por torná-lo mercadologicamente inviável. Bom, a qual senhor o Linus serve?

Do outro lado está o Stallman, com sua descuidada aparência de sempre, com seu velho notebook de sempre, com suas velhas roupas de sempre. Acompanhado pelas suas velhas ideias de sempre: compartilhamento, igualdade, fraternidade, respeito, amor. Atuando incansavelmente a décadas. Não pela diversão, nem pelo estrelismo, nem pelo dinheiro, nem pelos novos meios de produção. Atuando para proteger e preservar a nossa liberdade de construir juntos, de mudar o mundo. Mas não se atua por amor incólume: seus críticos são implacáveis.

Então se você presa pela liberdade tecnológica e acredita, de verdade, que fazer, usar e distribuir Software Livre é divertido, mas tem que haver uma dose de responsabilidade social, e que podemos fazer do Mundo um lugar mais justo para todos, então use menos pinguins e mais GNU\’s.

O GNU é o logotipo que representa a liberdade tecnológica, a mudança, o novo. Não a nova cor dos ícones, ou das novas funcionalidades, mas um novo modelo de relação social, que se baseia na colaboração e na liberdade tecnológica para estabelecer que somos todos iguais. Imperfeitos, mas iguais. Separados, mas iguais. Coloridos, mas iguais. Desalinhados, mas iguais.

Mudar o mundo pode ser muito mais simples do que você imagina: use menos Linux e mais GNU!

Saudações Livres!

1 – https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Peter_Pan

5 comentários em “Menos Linux e mais GNU”

  1. O OpenBSD quase foi encerrado por causa de não ter dinheiro para pagar sua conta de luz. O problema de quem adota open source é não ter dinheiro para pagar as contas.

  2. Boa noite,
    Duas perguntas:
    1º Supondo que você não use nenhuma distro Linux, qual sistema operacional você usa no seu computador?

    2º Não acha que se não fosse possível a instalação de softwares proprietários em software livre, perderiamos a liberdade 0 ?

    1. Olá Keven,

      Eu não costumo responder perguntas nos comentários, mas você foi super educado e suas duas perguntas são muito boas, então vou responder da forma mais ampla que posso, e quem sabe até transformo em um outro artigo. Vamos lá!

      1) Eu não uso nenhuma distro Linux. Nas verdade ninguém uma usa uma distro Linux. Conceitualmente todos usamos distros GNU. Essa definição de que Linux é sinônimo de Sistema Operacional foi a mídia que não está interessada em discutir a liberdade envolvida e uma uma parcela enorme da comunidade Software Livre que achou que seria estratégico deixar a mídia fazer isso para aumentar o número de usuários.
      Como descrevo em diversas matérias, esse foi um erro estratégico. Hoje temos milhões ou bilhões de usuários de Software Livre e isso não melhorou em nada nossa liberdade tecnológica.
      Resumindo: ninguém usa uma distro Linux, da mesma fora que não se usa uma distro KDE. Todos usamos distros GNU.

      2) Não vejo relação alguma entre ter o direito de executar um programa para qualquer fim e ter a liberdade de instalar Softwares Proprietários. Quando se instala um Software Proprietário você não consegue executá-lo para qualquer fim, até porque como não se tem acesso ao código não se pode alterá-lo para fazer o que se quer. Isso sem falar das licenças que são compostas por intermináveis parágrafos do que não pode ser feito. Tem Software Proprietário com licenças que
      permitam execução para qualquer fim?

      Talvez você esteja sugerindo que ter a liberdade de executar um programa para qualquer fim inclua o direito de instalar Software Proprietário? Se for, acho que você não está percebendo que quem limita sua liberdade neste caso não é GNU onde se quer instalar o Software Proprietário, mas o pŕoprio Software Proprietário que não te permite executá-lo para qualquer fim. Isso é tão verdade que é absolutamente possível instalar Software Proprietário em sistemas operacionais livres.

      Espero ter ajudado a esclarecer um pouco mais as questões.

      Saudações Livres!

    2. 2º Não acha que se não fosse possível a instalação de softwares proprietários em software livre, perderiamos a liberdade 0 ?

      A liberdade 4 fala que:
      A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie deles (liberdade nº 3). O acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.

      Portanto se eu “anexar” um programa não livre a um livre e eu não puder mudar a parte não livre, eu automaticamente não poderei mudar o programa como um todo, já que este é formado pela soma das partes.
      Nesse caso AO MEU VER, a liberdade 4 é ferida.

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